quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Integração de mídias digitais na educação

Integração de mídias digitais na educação


1. Introdução
O título deste artigo, em uma primeira análise, mostra-se bastante futurista e talvez utópico se considerarmos a situação de nossas escolas, cujos mecanismos de controle disciplinar pautam-se em atribuir ao professor o papel centrado em “dar aula”, transmitindo as informações, marcado pela presença quase que única do livro didático descontextualizado e pelos conteúdos memorizados e repetidos até a sua fixação. Isto é o que caracteriza resumidamente nossa escola tradicional, definida muitas vezes como um repositório de conteúdos pedagógicos, trabalhados de forma rígida, fechada e puramente teórica.

Como então falarmos de integração de mídias digitais em um contexto como este?
Seria possível encontrarmos um cenário mais positivo para o que já relatamos?

Para tentarmos responder estas perguntas, apresentaremos situações de nossa vivência como formadores em diversos programas de capacitação continuada, promovidos pelo Ministério da Educação e pelas inúmeras contribuições que a cada dia, mais e mais professores, nos compartilham nas listas de discussões que
participamos.

Em um primeiro momento, parece ser muito pretensioso pensarmos no encontro de tecnologias digitais convivendo harmoniosamente em ambientes escolares, com professores e alunos articulados e usando-as no desenvolvimento de projetos. No entanto, temos acompanhado experiências significativas de professores que, juntamente com seus alunos, usam os diversos recursos midiáticos em suas atividades escolares, e articulam-se em seus projetos de trabalho.

Com as experiências vividas, constatamos que, ao ser a tecnologia como uma ferramenta pedagógica, é possível mudar o ambiente de aprendizagem para facilitar a construção do conhecimento do educando, tornar o ensino cooperativo e, principalmente, propiciar uma postura interdisciplinar do professor (Fazenda, 1995).

Assim, se a tecnologia for usada como uma aliada na criação de um processo educacional; melhor ela complementará as habilidades individuais e auxiliará na construção de um mundo que dá um sentido maior para a vida.

Adicionando a esses dados, salientamos que vivemos em um mundo em profunda crise social, moral e afetiva. É urgente trabalhar a favor de uma nova sociedade e acreditarmos que a mudança nos trabalhos pedagógicos com a integração das
tecnologias no processo educacional pode ajudar a resgatar o ser humano para o afloramento de uma sociedade mais consciente e justa. No entanto, compreendemos que se faz necessário uma capacitação contínua dos educadores
para atuarem na criação de novos ambientes de aprendizagem, procurando desfazer as desigualdades e as exclusões digitais e sociais.

Neste sentido o objetivo deste texto é apresentar alguns exemplos de projetos desenvolvidos por professores de escolas públicas brasileiras que integram as mídias digitais no trabalho pedagógico com seus alunos, e visam à melhoria do processo de ensino e de aprendizagem. Os exemplos, apresentados de forma sucinta, são parte de uma pequena amostra das inúmeras iniciativas realizadas no
Brasil, que podem ser utilizados como referência para entendermos que é possível fazermos um novo caminhar pedagógico com o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, esperando com isto incentivar o trabalho de outros professores interessados em provocar mudanças na escola, podendo inclusive recontextualizar tais exemplos para sua realidade escolar.

2. Iniciativas de Integração de Mídias na Escola

Descrevemos a seguir algumas ações realizadas por professores de escolas públicas que, com dedicação e competência, transformaram o seu fazer pedagógico, ao articular os conceitos disciplinares às atividades discentes juntamente com o uso integrado das tecnologias de informação e comunicação. O que será descrito é uma pequena amostra, mas que muito nos alegra e encoraja para continuarmos na busca por uma escola melhor. Procurarmos ser sucintos, mas esperamos deixar a essência de cada projeto como fonte de inspiração para novos vôos.

2.1 Projeto: Trabalhando com as NTIC: Deletando o Chato, Salvando o Significativo

Este projeto foi desenvolvido pela professora Rejane Arruda Sampaio (rejanecrede20@yahoo.com.br), do estado do Ceará, e tinha como objetivo utilizar as TIC para romper com as práticas tradicionais e com o ensino mecânico e autoritário. Envolveu toda a comunidade escolar em um trabalho de capacitação docente para o uso da tecnologia, bem como, os alunos da escola para a construção da página da escola na Internet. Assim, um grupo de professores, capacitados e empenhados, passou a desenvolver, juntamente com os alunos, atividades que visam à construção desta página. Para tanto, começaram com o acesso ao projeto político-pedagógico, a história da escola e sua inserção em um
contexto mais amplo, o que possibilitou que acessassem os arquivos e fotos, recuperando a compreensão sobre a identidade da escola.

Dentre os recursos empregados, podemos citar o acesso freqüente à Internet; o uso dos recursos e aplicativos do computador para a construção da página e de outras produções; a socialização das atividades desenvolvidas por meio da Rádio Escolar no recreio; a participação de bate-papos propiciando a interação com alunos de outras escolas que desenvolviam experiências semelhantes; demais atividades de coleta de dados como entrevistas, troca de e-mails, palestras, atividades artísticas e culturais.

As atividades do projeto foram realizadas individualmente e em grupo, e tinham como ambientes a sala de aula, o laboratório de ciências e de informática, o auditório, o pátio da escola e o centro de multimeios. Nesta iniciativa, destaca-se a participação coletiva, na qual alunos e professores puderam interagir juntos na construção de um projeto coletivo. Cabe destacar que cada professor procurou, durante a realização das atividades, articular e relacionar os conteúdos disciplinares, de maneira que estes pudessem ser formalizados e estudados significativamente pelos alunos.

2.2 Projeto: Lixo e o Caminho da Cidadania

Este projeto foi desenvolvido para que os alunos pudessem construir uma consciência ecológica, e desenvolver um convívio escolar pautado em valores e atitudes, adotando-se uma postura crítica e utilizando-se das TIC no desenvolvimento de projetos que tivessem realizações concretas para mudar a realidade local. Esta iniciativa foi desenvolvida pela professora Luzia Cleide Siqueira (luzcleide@hotmail.com), do estado de Pernambuco, em Afogaso da Ingazeira, e despertou nos alunos uma visão mais crítica dos problemas ambientais e do exercício da cidadania.

Entre as atividades realizadas, destacamos as dinâmicas de grupo realizadas, as
pesquisas na Internet, a entrevista com pessoas ligadas diretamente à usina de
reciclagem municipal. No laboratório de informática foi possível elaborar textos no
Word e inserir figuras do clip-art. Utilizaram também o e-mail para divulgação de
mensagens de conscientização ambiental, as quais foram impressas e distribuídas
na escola e na comunidade local. Foram ainda oportunizadas discussões acerca
dos vídeos selecionados da TV-ESCOLA relacionados ao tema, permitindo que os
alunos entendessem o problema do lixo em uma abrangência nacional, não
apenas de característica local.

Com todas as atividades desenvolvidas relacionadas ao tema “Lixo”, foi possível montar um conjunto significativo de materiais impressos e digitais sobre o meioambiente, disponíveis na escola para auxiliar na conscientização das pessoas para os cuidados com a natureza visando à diminuição dos impactos ambientais.

2.3. Projeto: O Jornal Mural Trazendo Notícias do Mundo

Este projeto nasceu de um desejo pessoal da professora Divaneide Maria Albuquerque Reis (divamariareis@hotmail.com), da Bahia, de resgatar a leitura em sua escola. A criação do “Jornal Mural” pôde estimular o estudo sobre a leitura e do valor de exercitá-la com prazer, e usá-la em diferentes tipos de textos, criados pelos próprios alunos nas oficinas de redação, com o uso ou não das TIC.

Este projeto foi desenvolvido por alunos do ensino médio e envolveu um grupo de professores da escola que orientou seus alunos a pesquisarem o tema Leitura no contexto local e brasileiro. Isto fez com que alunos utilizassem a Internet, realizassem visitas ao jornal local e procurassem identificar e conhecer os diversos meios de comunicação. Na construção do jornal, os alunos puderam ter contato com diversos recursos midiáticos incluindo a própria Internet, softwares educacionais e aplicativos, músicas, imprensa falada e escrita, entre outros.

Atualmente, a escola está disponibilizando notícias diariamente no denominado
“Jornal Mural”, trabalho este que envolve alunos e professores que se revezam para mantê-lo atualizado. Efetuar a leitura do “Jornal Mural”, exposto em um dos corredores da escola, é agora uma atividade prazerosa.

Finalmente, com a construção do jornal, outros temas estão sendo abordados e
relacionados aos conteúdos disciplinares das diversas turmas envolvidas com o
projeto.

2.4. Projeto: Literatura de Cordel

Este Projeto foi realizada pela professora Flávia Santana da Silva Barros (flaviassb@hotmail.com) do Recife, com 15 alunos da 3ª série do Ensino Fundamental I na Escola Monsenhor Francisco Salles da rede estadual. A intenção da professora era de criar uma situação de aprendizagem em que os alunos fariam o estudo do “Cordel” e neste processo estariam analisando os substantivos, adjetivos, número de estrofes, versos, tipos de linguagem, etc. Este projeto enfatizou a interpretação e a produção de textos e, nesse processo, os alunos produziram uma peça teatral e histórias em quadrinhos. Ao estudar os tipos de cordéis, que retratam as pessoas que fazem parte da nossa história, os alunos fizeram pesquisa sobre o Lampião e assistiram ao filme O Auto da Compadecida, com o intuito de analisar o comportamento dos cangaceiros, vestimentas e a forma de relacionamento. A professora usou o contexto do filme também para discutir com os alunos a área geográfica em que ocorreu a história, as característica das pessoas do local, e aproveitou a curiosidade e o envolvimento dos alunos sobre as questões que estavam estudando a partir da leitura dos cordéis.

Este estudo culminou numa produção coletiva - o cordel da turma - e foi interessante, pois cada aluno elaborou uma estrofe para o colega, comentando sob algo engraçado ou uma característica peculiar. Para a produção final do cordel da turma, a professora conseguiu um computador, cedido pela direção da escola, para que os alunos pudessem digitar seus textos, uma vez que esta escola não possuía laboratório de informática.
Esta experiência mostra que a professora conseguiu desenvolver, com muita criatividade, dinâmicas de trabalho integrando outras mídias a partir daquilo que tinha disponível no seu contexto de atuação. Também a diretoria demonstrou flexibilidade ao disponibilizar um computador para a produção final do cordel. Este projeto contagiou a escola, uma vez que a turma socializou suas produções ao apresentarem uma peça teatral a respeito de suas pesquisas.

3. Considerações Gerais

Estas experiências mostram que não existe uma única maneira de desenvolver projetos integrando as diferentes mídias. O projeto em cada contexto pode expressar a sua identidade, a qual reflete a intencionalidade pedagógica do professor e as características dos alunos e seus interesses, bem como a realidade escolar. Isto significa que existem vários fatores que interferem no desenvolvimento do projeto, que podem favorecer a diversidade de situações de aprendizagem.

Muitas vezes o professor se depara com uma situação precária em relação à tecnologia, tal como aconteceu com o projeto Literatura de Cordel, tendo apenas um computador para trabalhar com 15 alunos. Caso a escola tivesse um maior número de computadores, o projeto poderia integrar outros recursos como, por exemplo, o editor de texto e a Internet e, nesta situação, os alunos poderiam explorar outras formas de expressar suas idéias e de buscar informações, além daquelas que foram realizadas. Por outro lado, podemos constatar que a clareza de objetivos da professora permitiu diante dos recursos disponíveis desenvolver ações voltadas para o aprendizado contextualizado dos alunos.

Em relação aos demais exemplos é possível observar que a Internet foi utilizada em suas três dimensões de aprendizagens: pesquisa, para a busca de informações e da comunicação assíncrona (e-mail) e síncrona (bate-papo) e representação de conhecimento, no processo de construção de páginas. Isto significa que para a utilização dos recursos computacionais, como de outras mídias, é fundamental que o professor tenha conhecimento técnico e, ao mesmo tempo, entenda suas implicações pedagógicas para orientar novos encaminhamentos que permitam ao aluno compreender o que está fazendo (Valente, 2003).
Um outro aspecto interessante que ficou evidenciado nestes exemplos de projetos é que ao utilizar a tecnologia os alunos resgataram em suas ações, a história, a arte e a cultura. Os projetos mostraram uma forma de aprender compromissada na elaboração de um produto em que os autores (os alunos) tiveram oportunidade de aprender fazendo, exercitando a cidadania.

Estes projetos lançaram sementes, para alguns professores que sentiam-se sozinhos no seu contexto de atuação, para realizar esta nova empreitada. No entanto, os professores estão dando passos importantes que mostram muitas possibilidades e também que estas ações contagiaram outros profissionais das escolas que possivelmente vão poder gerar novas sementes e integrar as diferentes mídias, conteúdos e os protagonistas do processo educacional. Finalizando esta breve análise, transcrevemos um extrato do registro textual de uma professora, que expressa um momento importante da sua reflexão sobre a vivência na atividade prática, ao desenvolver projetos com alunos:

“Esse projeto serviu para ver que sozinhos fica difícil desenvolver um trabalho qualitativo. Se temos um planejamento, parceiros, apoio da equipe pedagógica material adequado, realizamos um trabalho sério sem stress, com funcionalidade. Só podemos fazer isso através de planejamento, de alianças, dentro da escola. Foi difícil para mim ter que fazer um trabalho sem ter parceiros, para redefinirmos ações, dividirmos as angústias, etc. Serviu também para eu ver que não basta um projeto bem elaborado, temos que fazê-lo, com os pés no chão, contextualizado com o envolvimento dos alunos, pois deles depende o sucesso do nosso trabalho”. (Barros, F, Relatório Individual, 2003).

Esta reflexão revela que no processo de reconstrução da prática pedagógica, voltada para o trabalho com projetos, e que integram mídias, conteúdos, competências, é necessário ter o apoio da comunidade escolar e a parceria entre os profissionais. Esta parceria pode ser construída no compartilhamento de experiências, reflexões e sentimentos durante a realização do projeto, uma que vez que nesta situação prática o professor precisa recriar estratégias pedagógicas, que contemplam as necessidades e os interesses dos alunos. O trabalho por projetos requer planejamento, o qual deve funcionar, segundo Almeida (2002), como uma espinha dorsal que ajuda o professor a conservar o foco de sua intencionalidade, ao mesmo tempo em que precisa assumir uma postura de flexibilidade para integrar os elementos que emergem do movimento da aprendizagem dos alunos durante a realização do projeto.

Klaus Schlünzen Junior
Maria Elisabette Brisola Brito Prado

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